Meta description
Entenda por que emissores de stablecoins já compraram mais de US$ 100 bi em títulos do Tesouro dos EUA e como isso impacta USDT, USDC, risco e oportunidades para o investidor cripto.
1. Do “dólar tokenizado” ao novo comprador de dívida pública
Nos últimos meses, emissores de stablecoins em dólar (como USDT e USDC) passaram de “infra de cripto” para investidores relevantes em títulos do Tesouro dos EUA (Treasuries).
Alguns números:
- Segundo análise da TD Securities, USDT (Tether) e USDC (Circle) detinham, juntos, cerca de US$ 130 bilhões em T-bills, o que corresponde a aprox. 2,25% de todo o mercado de Treasury bills até junho de 2025.
- Um relatório da Rapyd estima que os principais emissores de stablecoins somam mais de US$ 204 bilhões em Treasuries.
- A Reuters cita gestora da State Street dizendo que cerca de 80% das reservas de stablecoins hoje estão em T-bills ou repos, algo em torno de US$ 200 bilhões.
Ou seja: stablecoins deixaram de ser só “dólar em blockchain” e viraram, na prática, um dos compradores relevantes de dívida de curto prazo do governo americano.
2. Como novas regras nos EUA empurraram emissores para Treasuries
O movimento não é só escolha de mercado é também regulatório.
A GENIUS Act, aprovada em 2025, criou um marco específico para “payment stablecoins” nos EUA e traz três pontos centrais:
- Lastro 1:1 obrigatório
- Emissores regulados precisam manter reservas equivalentes a 100% do valor emitido.
- Composição das reservas limitada
- Reservas só podem ser formadas por:
- dólares em caixa,
- depósitos em bancos regulados,
- T-bills de curto prazo,
- repos garantidos por Treasuries,
- fundos de money market muito conservadores.
- Reservas só podem ser formadas por:
- Transparência e relatórios mensais
- Emissores grandes (acima de US$ 50 bi) devem publicar relatórios mensais auditados, detalhando a composição das reservas.
Tradução prática:
se o mercado de stablecoins cresce, o emissor é obrigado a comprar mais Treasuries para manter o 1:1 dentro das classes de ativos permitidas.
Exemplo: a própria TD Securities observa que, à medida que o supply de USDC/USDT sobe, isso vira demanda adicional por T-bills e repos, funcionando de forma parecida com grandes fundos de money market.
3. O caso USDT e USDC: quem é o “braço mais pesado” do Tesouro
USDT (Tether)
- Tether é o maior emissor de stablecoin do mundo e já divulgou que a maior parte das suas reservas está em Treasuries de curto prazo.
- Relatórios recentes mostram que:
- Aproximadamente 65% das reservas de USDT são T-bills (dados Q2 2025).
- A S&P, ao rebaixar a nota de risco de USDT para “weak”, ainda destaca que uma grande parcela continua em T-bills e equivalentes em dólar, apesar do aumento em ativos mais arriscados (Bitcoin, ouro, crédito privado).
Ou seja, mesmo com críticas sobre transparência, a base do lastro de USDT é justamente dívida pública curta dos EUA.
USDC (Circle)
- Circle mira um perfil mais “regulado/institucional” e, segundo a BBH e outros estudos, mantém boa parte das reservas em:
- T-bills de curto prazo,
- repos garantidos por Treasuries,
- caixa em bancos regulados.
- A fatia em Treasuries é menor do que a de Tether em %, mas segue a mesma lógica: lastro muito concentrado em dívida pública americana.
Em conjunto
- Brookings calcula que o mercado de stablecoins em dólar (não algorítmicas) já passou de US$ 260 bilhões em supply, com USDT representando mais de metade e USDC crescendo rápido.
- TD e Reuters mostram que USDT + USDC já carregam >US$ 100 bi em Treasuries sozinhas, podendo passar fácil de US$ 200 bi somando outros emissores.
Na prática, stablecoins viraram um “money market gigante”, de uso cripto, comprando dívidas de curtíssimo prazo do Tesouro.
4. O que isso muda para o investidor cripto?
4.1. Mais “mainstream”, menos anarquia
Ponto positivo:
- Como as reservas de USDT e USDC são majoritariamente em ativos públicos de altíssima liquidez (T-bills), o risco de “sumir o lastro do nada” é menor do que em modelos algorítmicos ou altamente exóticos.
- A GENIUS Act força um padrão mais parecido com banco/regulada, ao exigir segregação de reservas, auditoria, limites de ativos e prioridade de reembolso para holders em caso de insolvência.
Para você, isso significa:
- Stablecoins grandes tendem a ficar mais estáveis e integradas ao sistema financeiro tradicional;
- O uso de USDT/USDC em trading, DeFi e remessas fica menos “terra de ninguém” do ponto de vista jurídico.
4.2. Novo tipo de risco: concentração em dívida americana
Por outro lado:
- Se quase todo o seu “dinheiro cripto” (em stablecoin) está lastreado em Treasuries, você está indiretamente apostando na solvência e na política monetária dos EUA;
- O próprio ECB e o BIS alertam que:
- Stablecoins se parecem cada vez mais com fundos de money market,
- Uma corrida de resgates poderia forçar emissores a vender T-bills às pressas, mexendo no mercado de Treasuries e criando risco sistêmico.
Para o investidor cripto isso importa porque:
- Um stress de confiança em grandes stablecoins (FUD regulatório, depeg, sanções) pode virar stress em mercado de Treasuries, e vice-versa;
- A “segurança” da sua stablecoin depende, cada vez mais, da saúde fiscal e da liquidez do Tesouro americano.
4.3. Escolha entre USDT, USDC e outras não é só “qual tem mais liquidez”
Ao analisar stablecoin, além de liquidez e onde ela é aceita, vale olhar:
- Composição das reservas (percentual em Treasuries, caixa, ativos de risco);
- Nível de transparência (relatórios mensais detalhados x informações vagas);
- Grau de alinhamento com a GENIUS Act e regulações equivalentes.
A tese “stablecoins viram braço oculto do Tesouro dos EUA” ajuda a enxergar que:
- O lastro ficou mais “sério” (T-bills, repos),
- Mas você está cada vez mais exposto ao mesmo risco macro que afeta bancos, fundos e o próprio dólar.
5. Como um brasileiro pode usar essa informação na prática
1. Entender que stablecoin ≠ dinheiro sem risco
Mesmo lastreadas em Treasuries, stablecoins:
- Podem sofrer riscos de governança, sanções, congelamento e falhas operacionais;
- Podem ser alvo de ações regulatórias que afetem uso em exchanges, DeFi e bancos.
2. Diversificar emissores e usos
Se você usa cripto para:
- Trading → priorize liquidez (muitas vezes USDT), mas considere manter parte em USDC ou outra opção com governança/regulação mais claras;
- Reserva de caixa em dólar → faz sentido olhar para:
- diversificação entre 2 ou 3 emissores,
- risco regulatório (EUA, Europa, etc.),
- política de reservas.
3. Acompanhar regulação e relatórios de reservas
Links como os da Latham & Watkins (GENIUS Act), Brookings, TD Securities e Reuters são fontes boas para entender:
- até onde o governo dos EUA vai usar stablecoins como canal de demanda para sua dívida,
- e o quanto isso pode apertar regras, principalmente para emissores offshore.



