Veja como diferentes países regulam opções binárias e event contracts (EUA, Europa, Japão, Austrália) e por que corretoras offshore continuam oferecendo binárias em mercados onde o produto já foi banido. Entenda os riscos legais, de reputação e para o trader varejo.
Nos últimos anos, opções binárias saíram do hype e entraram na lista negra de vários reguladores grandes.
- A ESMA (União Europeia) adotou uma proibição temporária de marketing, distribuição e venda de binárias para varejo em 2018, sob poderes de intervenção de produto.
- A FCA (Reino Unido) transformou isso em ban permanente em 2019, incluindo “securitised binary options”.
- A ASIC (Austrália) proibiu a emissão e distribuição de binárias para clientes de varejo e estendeu essa ordem até 1º de outubro de 2031.
Ao mesmo tempo, relatórios da IOSCO mostram que, mesmo com bans, investidores continuam sendo abordados por plataformas offshore de opções binárias que miram países onde o produto já foi “expulso” do mercado regulado.
Neste artigo, vamos:
- Traçar um panorama de como EUA, UE, Japão e Austrália estão enquadrando binárias OTC e event contracts;
- Explicar por que tantas empresas tentam “exportar binárias” via offshore;
- E mostrar os riscos legais, operacionais e de reputação envolvidos, tanto para corretores quanto para traders.
1. Como diferentes jurisdições estão enquadrando binárias OTC e event contracts
1.1 União Europeia: proibição temporária da ESMA e medidas nacionais
Em 2018, a ESMA usou poderes de product intervention para impor uma proibição temporária sobre marketing, distribuição e venda de opções binárias a investidores de varejo em toda a UE.
Motivações principais:
- Perdas sistemáticas de clientes;
- Estrutura de payoff binário com comportamento similar a jogo de azar;
- Alto risco de fraude e conflito de interesses.
A medida foi renovada algumas vezes e depois deixada expirar em 2019, com a ESMA indicando que autoridades nacionais (como AMF na França) iriam assumir medidas próprias.
Na prática:
- Vários países da UE adotaram bans ou restrições nacionais para manter fora do varejo o tipo de binária atacado pela ESMA;
- O produto ficou marcado como algo a ser restrito e vigiado, não promovido ao público em massa.
1.2 Reino Unido: ban permanente da FCA
Em 2019, a FCA foi clara: adotou uma proibição permanente da venda, marketing e distribuição de opções binárias a consumidores de varejo atuando em ou a partir do Reino Unido.
Pontos importantes:
- O ban cobre todas as binárias, incluindo algumas estruturas securitizadas que não estavam plenamente cobertas pela intervenção da ESMA;
- A FCA cita expressamente a natureza de “aposta” do produto e o histórico de perdas do varejo.
Ou seja: para qualquer broker regulado pela FCA, binárias para varejo estão fora de jogo.
1.3 Austrália: proibição estendida até 2031
Na Austrália, a ASIC emitiu uma ordem de intervenção de produto banindo a emissão e distribuição de binárias para clientes de varejo, com efeitos a partir de maio de 2021.
Em 2022, depois de avaliar o impacto, a ASIC decidiu estender essa proibição até 1/10/2031, justificando que:
- Binárias resultaram e provavelmente continuariam resultando em dano significativo a clientes de varejo;
- O produto é considerado altamente especulativo e nocivo.
Resultado: o mercado regulado australiano para binárias de varejo praticamente deixa de existir nessa janela de tempo.
1.4 Japão: binárias sob FIEA com regras específicas
No Japão, a abordagem foi diferente. Em vez de banir, o foco foi restringir fortemente:
- As binárias OTC com indivíduos são tratadas no contexto do Financial Instruments and Exchange Act (FIEA) e submetidas a regras de conduta específicas;
- A associação setorial FFAJ publicou guidelines específicas para OTC binary options com indivíduos, incluindo regras de duração mínima, formato das opções, informações ao cliente e conduta de negócio.
Na prática:
- O modelo japonês tenta “domesticar” o produto em vez de bani-lo;
- Mas o enquadra sob regulações duras de mercado de capitais, com supervisão clara.
1.5 EUA: CFTC, event contracts e fronteira com “gaming”
Nos EUA, o foco é mais em event contracts (contratos de evento, sim/não) do que no rótulo “binary options”.
Em 2024, a CFTC publicou uma proposta de regra (Release 8907-24) para emendar a Regulation 40.11, esclarecendo que certos event contracts ligados a “gaming”, guerra, terrorismo e assassinato seriam considerados contrários ao interesse público e, portanto, proibidos em mercados registrados.
A proposta:
- Define melhor o que é “gaming” (por exemplo, resultado de competições esportivas);
- Lista fatores para avaliar se um evento é aceitável (ex.: se lucra com dano a pessoas, ameaça à segurança nacional, etc.);
- Mantém espaço para event contracts com função econômica legítima (macro, risco corporativo), mas endurece com contratos de “aposta pura”.
Ao mesmo tempo, o caso Kalshi sobre contratos eleitorais mostra que a fronteira entre derivativo e aposta continua em disputa, inclusive com decisões de tribunais federais e estaduais (como Nevada) sobre se certas plataformas caem sob regras de gaming local ou da CFTC.
2. Corretoras offshore “exportando” binárias para onde o produto foi banido
Se em UE, Reino Unido e Austrália o recado oficial é “não queremos binárias no varejo”, por que continua pipocando anúncio de “binárias para europeus”, “plataforma global aceita clientes do Reino Unido” e por aí vai?
2.1 A lógica do offshore: onde há ban, há arbitragem regulatória
Relatórios da IOSCO sobre OTC leveraged products desmontam a estratégia típica:
- Empresas se estabelecem em jurisdições com supervisão fraca;
- Compram ou alugam plataformas prontas (white label) para vender binárias, CFDs, FX alavancado;
- Fazem marketing digital agressivo para investidores em países onde o produto é banido ou muito restrito;
- Muitas vezes atuam sem licença local, contando com a dificuldade de enforcement transfronteiriço.
Ou seja: elas “exportam” binárias para mercados onde reguladores já declararam que não querem esse produto para o varejo – normalmente usando brechas de reverse solicitation ou simplesmente fingindo que não sabem de nada.
2.2 Reverse solicitation: o cliente “pediu”, então vale tudo?
Na teoria, reverse solicitation é simples:
A iniciativa de contratar parte do cliente, não da empresa.
Logo, o regulador aceitaria que o investidor acessasse uma entidade de outro país sem que isso seja considerado “marketing cross-border”.
Na prática, reguladores europeus vêm apertando o cerco para evitar abuso desse conceito:
- ESMA soltou comunicados e Q&As lembrando que não aceita uso criativo de reverse solicitation para driblar regras de MiFID;
- Em 2024, guidelines sobre reverse solicitation em cripto (MiCA) deixam claro que cláusulas genéricas em termos de uso ou pop-ups não bastam para caracterizar pedido genuíno do cliente.
Traduzindo:
- Se a corretora está anunciando ativamente para residentes da UE/UK/Austrália;
- Oferecendo serviço em idioma local, aceitando depósito local, usando influenciadores locais;
fica difícil sustentar que é “reverse solicitation inocente”.
Isso vira risco legal sério para a empresa e para qualquer parceiro que promo esse tipo de operação.
2.3 Finfluencers, marketing online e IOSCO
Relatórios recentes da IOSCO sobre retail market conduct e digitalização citam explicitamente:
- A expansão de plataformas online que oferecem binárias, CFDs e FX alavancado para varejo global, muitas vezes sem presença física ou licença na jurisdição do cliente;
- O uso intenso de redes sociais, finfluencers e gamificação para atrair investidores, com mensagens que minimizam risco e enfatizam ganhos rápidos.
Nessa combinação (offshore + finfluencer + produto banido em casa), o investidor:
- Tem pouca ou nenhuma proteção do regulador do próprio país;
- Em caso de golpe, dificilmente consegue recuperar o dinheiro;
- E ainda pode ser alvo de esquemas de fraude mais pesados (phishing, pirâmide, etc.).
3. Riscos legais e de reputação para corretoras que “exportam” binárias
3.1 Enforcement transfronteiriço: mais forte do que parece
É comum ouvir:
“Ah, mas estou numa ilha X, ninguém vai mexer comigo.”
Relatórios de IOSCO e casos práticos mostram o contrário:
- Reguladores vêm cooperando entre si em casos de binárias ilegais;
- Ações incluem bloquear acesso a sites, congelar ativos, pedir cooperação de outras autoridades, publicar alertas e compartilhar listas de entidades não autorizadas.
Mesmo que a plataforma não seja fechada imediatamente, o custo de:
- entrar em listas negras,
- perder provedores de pagamento,
- perder bancos correspondentes,
pode matar o modelo de negócio.
3.2 Risco de marca: binárias como produto “radioativo”
Depois de anos de casos criminais e esquemas de fraude ligados a binárias, o produto carrega um estigma forte em vários mercados. Reguladores europeus e australianos não poupam palavras ao classificar o produto como altamente nocivo e semelhante a gambling.
Para uma marca que pense em:
- Atrair parcerias com bancos,
- Lançar outros produtos regulados,
- Ou mesmo conseguir licença em mercados mais sérios,
o histórico de “exportar binárias para onde foram banidas” é um passivo reputacional enorme.
3.3 Risco comercial: modelo que depende de “vender onde é proibido” é frágil
Se a única forma de viabilizar o produto é:
- Se basear em jurisdições fracas;
- Vender agressivamente em países que já baniram o produto;
- E usar brechas de reverse solicitation como escudo,
é sinal de que o modelo de longo prazo é frágil.
Basta:
- Um ajuste de enforcement,
- Uma coordenação internacional,
- Ou um escândalo de grande proporção,
para o castelo desabar.
4. E para o trader brasileiro, o que isso tudo significa?
Do ponto de vista do investidor/trader brasileiro que acessa corretoras offshore de opções binárias, a mensagem é direta:
- Se o produto é banido em vários mercados maduros, não é porque “os reguladores são chatos”.
É porque dados mostram perdas sistemáticas e histórico de golpe. - Operar via plataforma offshore que mira países onde o produto é proibido significa:
- Ter pouca proteção regulatória;
- Dificuldade de reclamar ou recuperar dinheiro;
- Risco elevado de fraude operacional (saque, manipulação, sumiço).
- Mesmo quando a empresa não é golpe, o produto em si continua sendo:
- Altamente especulativo;
- Com probabilidade real de perder 100% do capital na operação;
- Inadequado para quem está atrás de “renda fácil” ou constância sem gestão de risco.
Isso não significa que você “não possa tocar no tema nunca”, mas que:
- Qualquer exposição a opções binárias/offshore precisa ser tratada como aposta de altíssimo risco, com valor financeiro que você pode perder integralmente.
FAQ – Corretoras offshore de opções binárias e regulação global (rich snippet)
1. Em quais países opções binárias foram banidas para varejo?
Entre outros:
- A ESMA impôs uma proibição temporária para toda a UE em 2018, que depois foi sucedida por medidas nacionais em vários países (como a AMF na França);
- A FCA implementou um ban permanente de binárias para retail no Reino Unido a partir de abril de 2019;
- A ASIC estendeu até 2031 o banimento de binárias para clientes de varejo na Austrália.
2. Por que ainda recebo anúncio de opções binárias se o produto é proibido em vários países?
Porque muitas ofertas vêm de corretoras offshore, registradas em jurisdições com supervisão fraca, que fazem marketing digital agressivo para investidores em países onde o produto é banido ou restrito.
Relatórios da IOSCO apontam exatamente essa prática como um problema de enforcement transfronteiriço.
3. O que é reverse solicitation e como corretoras usam esse argumento?
Reverse solicitation é quando:
- A iniciativa de contratar parte do cliente, não do intermediário.
Algumas corretoras tentam usar isso para dizer que não estão “oferecendo” produtos em determinada jurisdição.
Mas ESMA e outros reguladores vêm deixando claro que:
- Não aceitam o uso abusivo de reverse solicitation;
- Cláusulas genéricas em termos e pop-ups não bastam para justificar marketing ativo a investidores da UE.
4. Quais são os riscos de usar uma corretora offshore de opções binárias?
Principais riscos:
- Nenhuma ou pouca proteção do regulador do seu país;
- Dificuldade em recuperar dinheiro em caso de fraude ou quebra;
- Produtos de altíssimo risco, com probabilidade grande de perda total capital em curto prazo;
- Marketing agressivo, gamificação e promessas irreais, especialmente em redes sociais.
5. Ser uma corretora offshore de binárias é necessariamente ilegal?
Não necessariamente.
Existem jurisdições em que:
- O produto é permitido,
- E a empresa pode estar formalmente licenciada naquele país.
O problema começa quando:
- Essa corretora mirar agressivamente investidores em jurisdições que já baniram ou restringiram binárias;
- Usar brechas de reverse solicitation para, na prática, driblar o espírito da regulação local.
Isso aumenta o risco de ações de enforcement e dano reputacional.
Conclusão: “exportar” binárias é modelo defensivo, não estratégia de longo prazo
O quadro global é claro:
- Europa, Reino Unido e Austrália caminharam para expulsar binárias OTC do varejo;
- Japão escolheu enquadrar sob regras duras;
- EUA estão redesenhando a fronteira entre event contracts legítimos e gaming proibido via CFTC.
Nesse contexto, o modelo de negócios baseado em:
- Estar offshore,
- Vender binárias onde o produto já foi rejeitado pelo regulador local,
- E depender de finfluencers e brechas de reverse solicitation,
é mais um atalho de curto prazo do que uma estratégia sustentável.
Para o broker/plataforma, a pergunta é:
“Quero ser lembrado como mais uma casa de binárias que sumiu, ou como uma infraestrutura séria de mercado, mesmo oferecendo produtos de risco?”
Para o trader, a reflexão é:
“Estou tratando isso como o que é – uma aposta especulativa com risco de perder tudo – ou estou comprando a narrativa de renda fácil?”



