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O uso de carteiras digitais cresce mais rápido que a regulação, enquanto Pix, super apps e cripto dominam o dia a dia. Veja os riscos, os movimentos dos reguladores e o impacto para segurança e proteção do consumidor.
Introdução: o dinheiro virou app – e o regulador está correndo atrás
Pagamentos por aproximação, Pix, QR Code, cartão salvo no celular, cashback, cripto, pontos de fidelidade… cada vez mais, tudo isso cabe dentro de uma única carteira digital.
Em 2025, relatórios apontam que:
- o número de usuários de carteiras digitais já passa de 4,3 a 4,4 bilhões de pessoas, com previsão de chegar a mais de 6 bilhões até 2030, ou seja, mais de 3/4 da população mundial;
- até 2030, as wallets devem responder por cerca de 52% do valor das transações de e-commerce e por 30% dos pagamentos em loja física, superando com folga o cartão tradicional.
No Brasil, essa transformação é ainda mais visível: Pix, carteiras digitais, bancos digitais e super apps disputam o espaço da tela inicial do celular, enquanto o Banco Central acelera regras para Pix, Instituições de Pagamento, Open Finance e em breve cripto e stablecoins.
Só que tem um problema:
o uso de carteiras digitais está crescendo mais rápido do que a capacidade dos reguladores de acompanhar exatamente o ponto levantado em reportagens como a do PaymentsDive, que falam em “digital wallet use outpacing regulators”.
Neste artigo, vamos olhar essa corrida por três ângulos:
- por que as wallets explodiram em uso;
- onde estão os principais riscos (segurança, privacidade, proteção ao consumidor);
- e como reguladores como Banco Central do Brasil, CFPB (EUA), União Europeia e outros estão tentando colocar guard rails nesse ambiente cada vez mais “app-first”.
1. A explosão das carteiras digitais: de pagar o café a investir e operar cripto
1.1. Por que as wallets viraram o “hub” da vida financeira
Alguns dados ajudam a entender a dimensão da mudança:
- estimativas recentes indicam que mais da metade dos consumidores já usa carteiras digitais com mais frequência do que meios tradicionais de pagamento;
- até 2030, o total movimentado via carteiras digitais pode passar de US$ 17 trilhões anuais, com crescimento de mais de 70% em relação a 2024;
- um estudo da Juniper Research projeta que, para competir num mercado tão saturado, as wallets estão agregando BNPL (compre agora, pague depois), cartões virtuais, identidade digital e até credenciais de documentos dentro do app.
No Brasil, segundo análise recente sobre pagamentos digitais, Pix, carteiras digitais e super apps já são parte do dia a dia de boa parte da população bancarizada e de quem se conectou ao sistema financeiro pela primeira vez através do celular.
A lógica é simples:
- conveniência (pagar tudo no celular, em segundos);
- integração (pagamento, crédito, investimentos, cripto, cashback, pontos);
- inclusão (produtos financeiros chegando em quem nunca teve conta bancária tradicional).
1.2. O salto “Brazil-style”: Pix, carteiras e open finance
O Brasil virou estudo de caso mundial nesse tema:
- o Pix se consolidou como infraestrutura central, com trilhas específicas para carteiras digitais, Pix por aproximação e em breve Pix automático;
- relatórios mostram que normas relacionadas a Pix e Instituições de Pagamento lideram a agenda regulatória do BC, representando quase metade das novas regras relevantes, muito disso por motivos de fraude e segurança;
- o Open Finance brasileiro cria a base para que carteiras e aplicativos se conectem a múltiplos bancos, contas, cartões e investimentos, sob supervisão do Banco Central.
Resultado:
as “carteiras digitais” deixaram de ser apenas apps de pagamento e passaram a funcionar como mini-bancos e hubs de finanças pessoais na mão do usuário.
2. Onde aperta o calo: segurança, privacidade e proteção ao consumidor
2.1. Segurança: alvo preferencial de golpes e fraudes
Com tanto dinheiro e dado concentrado num app, segurança vira ponto crítico.
Estudos recentes mostram que:
- cerca de 88% dos usuários de carteiras digitais listam segurança como prioridade número um;
- quase todas as grandes wallets já adotam autenticação em dois fatores (2FA), biometria e notificações em tempo real;
- ainda assim, carteiras digitais são alvo constante de phishing, malware, clonagem de SIM, engenharia social e sequestro de contas.
No Brasil, o Banco Central vem respondendo com:
- trilhas antifraude específicas no Pix;
- limites dinâmicos em transferências;
- exigência de autorização prévia para instituições de pagamento se conectarem à infraestrutura do Sistema Financeiro Nacional;
- antecipação de prazos de licenciamento justamente por conta de ataques cibernéticos e crime organizado explorando falhas nas integrações entre fintechs e bancos.
2.2. Privacidade: quanto seus apps sabem sobre você?
Além de dinheiro, carteiras digitais lidam com:
- geolocalização;
- histórico de compras;
- dados de dispositivos;
- conexão com redes sociais;
- preferências de consumo e crédito.
Relatórios indicam que cerca de 65% dos usuários preferem carteiras que coletam o mínimo de dados possível, mas a realidade é que muitos apps ainda funcionam como “aspiradores de dados” com termos de uso longos e pouco claros.
Nos EUA, esse debate explodiu quando o órgão de proteção ao consumidor (CFPB) passou a supervisionar grandes apps de pagamento e carteiras digitais como se fossem bancos justamente por preocupações com privacidade, uso abusivo de dados e fraudes.
Na União Europeia, a agenda caminha na mesma direção:
- o bloco discute uma carteira digital europeia de identidade e ajustes na GDPR para criar um ambiente que permita inovação, mas com “privacy by design” e regras claras de uso de dados;
- estudos do BCE mostram que usuários ainda veem apps móveis como menos seguros do que o internet banking tradicional.
2.3. Proteção ao consumidor: quem resolve quando dá problema?
Com o crescimento dos pagamentos digitais, surgem questões novas de proteção:
- disputa de transações (pagamentos feitos “sem querer” ou por engano);
- golpes em que o consumidor autoriza o pagamento sem perceber a fraude;
- travamento de conta por suposta suspeita de golpe;
- dificuldade de atendimento em apps sem agência física.
Artigos jurídicos recentes destacam que o avanço dos pagamentos digitais cria novos desafios legais em transparência, responsabilidade por fraudes, privacidade, jurisdição e até conflitos entre regras de diferentes países.
Para o usuário final, o problema é direto:
quando o dinheiro some, quem responde – o app, o banco, a bandeira, a loja, a fintech intermediária?
É justamente aqui que reguladores estão tentando “entrar na conversa” com regras mais claras.
3. Como os reguladores estão reagindo à explosão das carteiras digitais
3.1. EUA: CFPB puxando big techs pro mesmo nível de bancos
Nos Estados Unidos, o Consumer Financial Protection Bureau (CFPB) publicou uma regra que permite supervisionar grandes provedores de carteiras digitais e apps de pagamento (Apple Pay, Google Pay, PayPal, etc.) como se fossem instituições financeiras tradicionais.
A ideia é:
- examinar essas empresas de forma preventiva;
- garantir que sigam regras de:
- proteção ao consumidor,
- privacidade de dados,
- combate a fraudes e erros operacionais;
- evitar que o sistema financeiro migre para um “vazio regulatório” só porque o dinheiro passou do cartão físico para o app.
O movimento, claro, gerou reação:
- associações de big techs processaram o CFPB por entender que ele extrapolou sua autoridade;
- empresas alegam “excesso de regulamentação” e risco de frear inovação.
Mas, do ponto de vista de política pública, o recado é claro:
se a carteira digital faz tudo que um banco faz com seu dinheiro, ela vai ser cobrada como banco.
3.2. Europa: wallet de identidade + pagamentos sob guarda da GDPR
Na Europa, além das regras de serviços de pagamento (PSD2/PSD3), a Comissão Europeia vem empurrando:
- uma carteira digital europeia que integra identidade, documentos e meios de pagamento;
- ajustes pontuais na GDPR para tornar o ambiente amigável à inovação, mas firme na privacidade – com foco em consentimento claro, minimização de dados e interoperabilidade segura.
O foco aí não é só o pagamento em si, mas o uso da carteira como porta de entrada digital no Estado e no sistema financeiro.
3.3. Brasil: Pix, IPs, Open Finance e nova leva de regras de segurança
No Brasil, o Banco Central tem sido um dos reguladores mais ativos no mundo em pagamentos:
- Pix concentra quase metade das normas relevantes recentes, muito por conta de novas modalidades e trilhas antifraude;
- todas as Instituições de Pagamento (IPs) precisarão de autorização prévia para operar conectadas ao sistema, com prazos de licenciamento antecipados para 2026, em resposta a ataques cibernéticos;
- o BC vem estruturando o Open Finance, que permite que carteiras digitais iniciem pagamentos e agreguem dados de múltiplos bancos sob supervisão única;
- e, em paralelo, prepara regras específicas para cripto e stablecoins, que também começam a ser integradas nesse ecossistema.
Em suma:
o regulador brasileiro está tentando ganhar velocidade, mas é um jogo de corrida constante com inovação de mercado e criatividade do crime digital.
4. Para onde essa disputa está indo? Tendências de tecnologia e de regras
4.1. Wallets mais seguras “por construção”
Do lado tecnológico, algumas tendências ajudam a endereçar o conflito entre conveniência e segurança:
- MPC (multi-party computation) e carteiras com chaves distribuídas, que evitam um ponto único de falha;
- privacy by design, em que dados sensíveis nunca são expostos em texto puro e o app coleta só o mínimo necessário;
- detecção de fraude em tempo real, combinando IA, padrões de comportamento e alertas pro usuário.
Essa linha casa bem com o que reguladores europeus e brasileiros pedem: menos dados soltos, mais criptografia, mais transparência.
4.2. Regulação com foco em “mesmo risco, mesma regra”
Do lado regulatório, a tendência é:
- olhar menos para quem está oferecendo o serviço (banco, fintech, big tech)
- e mais para o que está sendo feito com o dinheiro e os dados.
Se o app:
- guarda saldo;
- faz pagamento;
- oferece crédito;
- intermedia investimento;
…ele tende a cair sob o guarda-chuva de regras parecidas, seja como instituição de pagamento, instituição financeira ou prestador relevante de serviços financeiros.
Isso significa mais:
- KYC;
- obrigações de PLD/FT;
- governança;
- reporte de incidentes;
- responsabilidade em casos de fraude ou falha sistêmica.
FAQ – Perguntas frequentes sobre carteiras digitais e regulação
1. Usar carteira digital é seguro?
Pode ser, desde que você:
- ative 2FA e biometria;
- mantenha o celular atualizado;
- desconfie de links e pedidos de código por WhatsApp/telefone;
- use apps de provedores conhecidos e, de preferência, regulados.
Mesmo assim, o risco nunca é zero por isso reguladores apertam a exigência de antifraude e responsabilidade das instituições.
2. Reguladores estão “atrasados” em relação às carteiras digitais?
Em certa medida, sim. O próprio caso dos EUA, com o CFPB correndo atrás de apps que já movimentam bilhões, mostra isso.
Mas, ao mesmo tempo, a agenda de Pix, Open Finance e Instituições de Pagamento no Brasil e as discussões de wallet europeia indicam que reguladores estão acelerando o passo.
3. Qual é o maior risco: segurança, privacidade ou golpe?
Na prática, os três andam juntos:
- segurança técnica (falhas de app/infraestrutura);
- privacidade (coleta e uso excessivo de dados);
- golpes e engenharia social (o ponto mais explorado hoje).
Do ponto de vista do usuário, o que mais estoura no dia a dia são golpes que usam a própria conveniência dos apps contra você (Pix, QR, links falsos, etc.).
4. As carteiras digitais vão substituir completamente bancos e cartões físicos?
Provavelmente não no curto prazo.
O que deve acontecer é:
- o cartão físico virar backup e credencial para a wallet;
- a agência física virar canal de exceção, para problemas complexos;
- o grosso do uso migrar para apps, carteiras, Pix e pagamentos instantâneos.
5. Como saber se uma carteira digital é confiável no Brasil?
Alguns pontos pra checar:
- se a instituição está autorizada ou em processo formal de autorização pelo Banco Central;
- se ela participa de arranjos regulados (Pix, Open Finance);
- políticas claras de:
- atendimento,
- resolução de disputa,
- privacidade e tratamento de dados;
- histórico de incidentes de segurança e como foram tratados.
Conclusão: app na mão, regra na cola
A explosão das carteiras digitais é um movimento difícil de frear:
- usuários querem conveniência e tudo em um único app;
- empresas querem mais dados, mais engajamento e mais produtos dentro da wallet;
- governos, por sua vez, querem inovação com segurança, privacidade e proteção ao consumidor.
Na prática, estamos entrando em uma fase em que:
a wallet vira a “nova agência bancária” – e regulador, bancos, fintechs e big techs vão disputar quem dita as regras desse jogo.
Para quem investe, empreende ou cria conteúdo em fintech, cripto e mercado financeiro, essa é uma pauta perfeita para:
- educar sobre segurança digital básica;
- explicar o que é Pix, Open Finance, CFPB, PSD2/PSD3, GDPR, tudo em linguagem simples;
- conectar o dia a dia do usuário (“pago tudo no celular”) com macrotemas como regulação, privacidade e uso de dados.



